Apendicite Aguda: Opções atuais de tratamento
- PriMed
- 8 de mar.
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A apendicite aguda é uma das emergências cirúrgicas mais comuns e, por décadas, foi tratada de maneira quase exclusivamente operatória. No entanto, novos estudos sugerem abordagens alternativas, incluindo o tratamento clínico em determinados casos.
O objetivo deste texto é discutir as indicações e contraindicações da cirurgia e do tratamento não operatório, abordando diferentes cenários baseados na experiência clínica e na literatura mais recente.
O tratamento padrão da apendicite: cirurgia videolaparoscópica
A abordagem cirúrgica permanece a recomendação primária para apendicite aguda não complicada, especialmente em pacientes jovens e sem comorbidades. A apendicectomia videolaparoscópica é a técnica preferencial, pois oferece menor tempo de internação, menor taxa de infecção de sítio cirúrgico e recuperação mais rápida.
A urgência da cirurgia, porém, tem sido revisitada: casos de apendicite não complicada podem ser operados de maneira eletiva, evitando procedimentos noturnos e potencialmente reduzindo riscos associados a uma equipe cirúrgica fatigada.

Tratamento não operatório da apendicite não complicada
Estudos como o APPAC Trial e o CODA Trial analisaram o uso exclusivo de antibióticos no tratamento de apendicite não complicada, mostrando uma taxa de sucesso de aproximadamente 80%. No entanto, cerca de 30% a 40% dos pacientes apresentam recidiva nos cinco anos seguintes.
Os critérios para indicar esse tratamento incluem:
• Diagnóstico bem definido de apendicite aguda não complicada;
• Ausência de fecalito na tomografia;
• Paciente jovem e sem imunossupressão;
• Capacidade de monitoramento clínico adequado.
Embora a não inferioridade do tratamento clínico tenha sido demonstrada, sua aplicação ainda esbarra na cultura cirúrgica e na aceitação do paciente. A decisão deve ser compartilhada, enfatizando que, embora o tratamento antibiótico possa evitar uma cirurgia inicial, há um risco considerável de recidiva.
Apendicite complicada: quando evitar a cirurgia imediata
Nos casos de apendicite complicada, ou seja, aqueles com abscesso periapendicular ou peritonite localizada, a cirurgia imediata pode aumentar o risco de conversão para colectomia e complicações como fístulas e lesão de alça. O tratamento inicial geralmente envolve:
• Drenagem percutânea guiada por imagem, quando há coleção bem definida;
• Antibioticoterapia para controle da infecção;
• Acompanhamento clínico rigoroso para avaliar a evolução do quadro.
A conduta posterior nesses pacientes pode incluir a apendicectomia de intervalo, especialmente em pacientes acima de 40 anos, devido ao risco aumentado de neoplasia oculta.
Drenagem percutânea guiada por imagem na apendicite complicada
A drenagem percutânea guiada por imagem é uma estratégia essencial no manejo de pacientes com apendicite complicada, particularmente na presença de abscessos periapendiculares. Essa abordagem minimamente invasiva tem se tornado uma alternativa preferida à cirurgia de emergência em determinados casos, reduzindo o risco de complicações intraoperatórias e permitindo uma resolução mais controlada da infecção antes de uma possível apendicectomia de intervalo.
Indicações
A drenagem percutânea está indicada em pacientes com:
• Apendicite aguda complicada com abscesso ≥3 cm na tomografia;
• Quadro clínico estável, sem sinais de peritonite difusa;
• Pacientes com alto risco cirúrgico, como idosos e imunossuprimidos;
• Presença de abscesso bem delimitado, acessível por punção percutânea.
Técnica
O procedimento é realizado sob orientação de ultrassonografia ou tomografia computadorizada, permitindo a introdução precisa do cateter de drenagem no interior da coleção purulenta. O material drenado deve ser enviado para cultura, visando a otimização da antibioticoterapia. O cateter pode permanecer por dias a semanas, dependendo da resposta clínica, sendo retirado quando houver redução significativa da drenagem e resolução do abscesso na imagem de controle.
Vantagens
A drenagem percutânea apresenta diversas vantagens quando comparada à cirurgia de urgência em pacientes com abscesso apendicular:
• Evita uma cirurgia em cavidade contaminada, reduzindo o risco de complicações como fístulas e necessidade de colectomia direita;
• Melhora a condição clínica do paciente, permitindo uma cirurgia eletiva em condições mais favoráveis;
• Reduz o tempo de internação e recuperação, especialmente em pacientes que evoluem bem sem necessidade de cirurgia posterior.
Limitações e contraindicações
Nem todos os casos de apendicite complicada são candidatos à drenagem percutânea. As contraindicações incluem:
• Abscessos pequenos (<3 cm), que podem responder apenas à antibioticoterapia;
• Presença de peritonite difusa, indicando a necessidade de abordagem cirúrgica imediata;
• Dificuldade técnica para acesso seguro ao abscesso, principalmente em localizações retrocecais profundas ou junto a estruturas vasculares importantes.
Apendicectomia de intervalo
Após a resolução do quadro infeccioso, a realização de uma apendicectomia de intervalo deve ser considerada, especialmente em pacientes acima de 40 anos, devido ao risco de neoplasia oculta. Em alguns casos, a ressecção pode ser evitada, desde que haja acompanhamento clínico rigoroso e ausência de sintomas recorrentes.
Apendicite e suspeita de neoplasia
A apendicite em pacientes acima de 50 anos, com espessamento de parede do ceco e abscesso retrocecal, pode sugerir um adenocarcinoma de cólon como fator desencadeante. Nestes casos, a conduta mais segura é evitar a apendicectomia isolada, optando por uma colectomia direita oncológica após estabilização clínica.
A drenagem percutânea pode ser evitada quando há suspeita de neoplasia devido ao risco de disseminação tumoral ao longo do trajeto do dreno.
Apendicectomia de intervalo: para quem indicar?
Para pacientes tratados inicialmente de forma conservadora, a necessidade de apendicectomia posterior ainda é debatida. O racional para essa abordagem inclui:
1. Prevenção de recidiva, que ocorre em cerca de 20% dos pacientes;
2. Investigação de neoplasia oculta, mais frequente em pacientes acima de 40 anos;
3. Resolução definitiva do quadro, especialmente em pacientes sintomáticos.
A colonoscopia é frequentemente recomendada antes da cirurgia em pacientes com mais de 40 anos para descartar neoplasia colorretal.
Conclusão
O manejo da apendicite aguda evoluiu, e a decisão entre cirurgia imediata, tratamento clínico ou apendicectomia de intervalo deve ser individualizada. A compreensão da história natural da doença e a interpretação criteriosa da literatura são fundamentais para oferecer a melhor abordagem a cada paciente.
Referências
1. Salminen P, Tuominen R, Paajanen H, Rautio T, Nordström P, Aarnio M, et al. Five-year follow-up of antibiotic therapy for uncomplicated acute appendicitis in the APPAC randomized clinical trial. JAMA. 2018;320(12):1259–65. https://doi.org/10.1001/jama.2018.13201
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Objetivo e explicativo. Cirúrgicos, como sempre! Congrats!