Ferimentos colorretais: o que o cirurgião precisa saber
- bruuloureiromb
- 5 de nov.
- 3 min de leitura
Adaptado do artigo Fields A, Salim A. Contemporary diagnosis and management of colorectal injuries: what you need to know. J Trauma Acute Care Surg. 2024. DOI:10.1097/TA.0000000000004352
De ferimentos fatais à abordagem racional
A história dos ferimentos colorretais é uma aula sobre evolução cirúrgica. Na Guerra Civil americana, a mortalidade chegava a 90%. O tratamento era, basicamente, “não operar”. Veio a Primeira Guerra e, com ela, as primeiras laparotomias. Na Segunda, a colostomia virou regra, graças à recomendação de Ogilvie e do Surgeon General dos EUA.Com o tempo — e especialmente a partir do Vietnã — percebeu-se que muitos pacientes poderiam se beneficiar de reparo primário. Hoje, o espectro vai de reparo direto e anastomose primária a reconstrução tardia após cirurgia de controle de danos, conforme a fisiologia do paciente.
Trauma de cólon: o que mudou
A maioria das lesões colônicas são decorrentes de trauma penetrante (arma de fogo ou arma branca), e o cólon transverso é o mais atingido. Em trauma contuso, o desafio é maior — a suspeita deve ser alta diante de lesões por desaceleração ou sinais como o seatbelt sign, sendo o cólon direito o mais afetado.
O diagnóstico se apoia em exame físico cuidadoso, TC com contraste EV e, em casos selecionados, laparoscopia diagnóstica.

Evidência que mudou conduta
Desde o clássico estudo de Stone e Fabian (1979), ficou claro que o reparo primário é seguro nos casos não destrutivos.
Para lesões mais graves, a regra prática atual é:
Reparo primário → quando <50% da circunferência e boa perfusão.
Ressecção e anastomose primária → mesmo em lesões destrutivas, se o paciente estiver estável.
Colostomia → reservada para pacientes instáveis, com múltiplas lesões ou alto risco de fístula.
A mortalidade caiu para cerca de 1%, e estudos recentes confirmam que localização (direita ou esquerda) não muda o risco de deiscência.
Controle de danos e anastomose tardia
O conceito de damage control trouxe uma nova dúvida: quando reconstruir?Hoje, a maioria das evidências apoia a anastomose tardia (> 48h) após estabilização, com bons resultados e baixa taxa de deiscência.

Trauma de reto: menos é mais
O reto é um órgão anatomicamente complexo: os dois terços superiores são intraperitoneais, e o inferior, extraperitoneal. As lesões extraperitoneais predominam, especialmente após ferimentos pélvicos penetrantes.
Diagnóstico
Suspeite sempre em trajetos próximos ao períneo, nádegas ou pelve.A sequência ideal é: TC com contraste EV + proctoscopia rígida, que juntos atingem quase 97% de sensibilidade. O toque retal ainda tem valor, mas não exclui lesão.

Evidências e virada de paradigma
Durante décadas, o tratamento padrão envolvia derivação fecal (estomia), drenagem presacral e lavagem distal do coto. Estudos multicêntricos — como o de Brown et al. (2018) — mostraram que drenagem e lavagem não reduzem complicações e podem, inclusive, aumentá-las.
Hoje:
Lesões intraperitoneais → tratadas como as colônicas (reparo ou anastomose).
Lesões extraperitoneais → geralmente resolvidas apenas com colostomia.Em casos de ferimentos retais extraperitoneais pequenos e acessíveis, o reparo transanal sem derivação é uma opção segura em pacientes estáveis e de baixo risco.
Dicas práticas do intraoperatório
Avalie perfusão mesentérica: lesões com bucket-handle deformity (em alça de balde, quando um segmento de cólon se destaca do mesentério) exigem ressecção pelo alto risco de isquemia.
Evite drenagem cavitaria ou extraperitoneal de rotina.
Mantenha antibióticos por até 4 dias em contaminação grave (ou 24h se mínima).
Prefira fechamento tardio ou terapia a vácuo da pele e subcutâneo, para evitar infecção de ferida operatória.

Take-home messages
O manejo do trauma colorretal evoluiu de condutas dogmáticas para decisões individualizadas.
Reparo primário e anastomose são seguros na maioria dos casos — o estoma é exceção, não regra.
Drenagem presacral e lavagem distal estão, definitivamente, fora de moda.
A chave está em reconhecer o tipo de lesão (intra vs extraperitoneal) e o estado fisiológico do paciente.
Menos agressão, mais racionalidade — essa é a nova face da cirurgia de trauma colorretal.
%20(1).png)



Comentários