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Ferimentos colorretais: o que o cirurgião precisa saber

Adaptado do artigo Fields A, Salim A. Contemporary diagnosis and management of colorectal injuries: what you need to know. J Trauma Acute Care Surg. 2024. DOI:10.1097/TA.0000000000004352



De ferimentos fatais à abordagem racional


A história dos ferimentos colorretais é uma aula sobre evolução cirúrgica. Na Guerra Civil americana, a mortalidade chegava a 90%. O tratamento era, basicamente, “não operar”. Veio a Primeira Guerra e, com ela, as primeiras laparotomias. Na Segunda, a colostomia virou regra, graças à recomendação de Ogilvie e do Surgeon General dos EUA.Com o tempo — e especialmente a partir do Vietnã — percebeu-se que muitos pacientes poderiam se beneficiar de reparo primário. Hoje, o espectro vai de reparo direto e anastomose primária a reconstrução tardia após cirurgia de controle de danos, conforme a fisiologia do paciente.



Trauma de cólon: o que mudou


A maioria das lesões colônicas são decorrentes de trauma penetrante (arma de fogo ou arma branca), e o cólon transverso é o mais atingido. Em trauma contuso, o desafio é maior — a suspeita deve ser alta diante de lesões por desaceleração ou sinais como o seatbelt sign, sendo o cólon direito o mais afetado.

O diagnóstico se apoia em exame físico cuidadoso, TC com contraste EV e, em casos selecionados, laparoscopia diagnóstica.


Table 1: Colonic Injury Grading Scale

Evidência que mudou conduta

Desde o clássico estudo de Stone e Fabian (1979), ficou claro que o reparo primário é seguro nos casos não destrutivos.

Para lesões mais graves, a regra prática atual é:

  • Reparo primário → quando <50% da circunferência e boa perfusão.

  • Ressecção e anastomose primária → mesmo em lesões destrutivas, se o paciente estiver estável.

  • Colostomia → reservada para pacientes instáveis, com múltiplas lesões ou alto risco de fístula.


A mortalidade caiu para cerca de 1%, e estudos recentes confirmam que localização (direita ou esquerda) não muda o risco de deiscência.


Controle de danos e anastomose tardia

O conceito de damage control trouxe uma nova dúvida: quando reconstruir?Hoje, a maioria das evidências apoia a anastomose tardia (> 48h) após estabilização, com bons resultados e baixa taxa de deiscência.

Figure 1: Diagnostic and management algorithm for traumatic colon injury.

Trauma de reto: menos é mais


O reto é um órgão anatomicamente complexo: os dois terços superiores são intraperitoneais, e o inferior, extraperitoneal. As lesões extraperitoneais predominam, especialmente após ferimentos pélvicos penetrantes.


Diagnóstico

Suspeite sempre em trajetos próximos ao períneo, nádegas ou pelve.A sequência ideal é: TC com contraste EV + proctoscopia rígida, que juntos atingem quase 97% de sensibilidade. O toque retal ainda tem valor, mas não exclui lesão.



Table 2: Rectal Injury Grading Scale

Evidências e virada de paradigma

Durante décadas, o tratamento padrão envolvia derivação fecal (estomia), drenagem presacral e lavagem distal do coto. Estudos multicêntricos — como o de Brown et al. (2018) — mostraram que drenagem e lavagem não reduzem complicações e podem, inclusive, aumentá-las.

Hoje:

  • Lesões intraperitoneais → tratadas como as colônicas (reparo ou anastomose).

  • Lesões extraperitoneais → geralmente resolvidas apenas com colostomia.Em casos de ferimentos retais extraperitoneais pequenos e acessíveis, o reparo transanal sem derivação é uma opção segura em pacientes estáveis e de baixo risco.


Dicas práticas do intraoperatório


  • Avalie perfusão mesentérica: lesões com bucket-handle deformity (em alça de balde, quando um segmento de cólon se destaca do mesentério) exigem ressecção pelo alto risco de isquemia.

  • Evite drenagem cavitaria ou extraperitoneal de rotina.

  • Mantenha antibióticos por até 4 dias em contaminação grave (ou 24h se mínima).

  • Prefira fechamento tardio ou terapia a vácuo da pele e subcutâneo, para evitar infecção de ferida operatória.


Figure 2. Diagnostic and management algorithm for traumatic rectal injury.

Take-home messages

  • O manejo do trauma colorretal evoluiu de condutas dogmáticas para decisões individualizadas.

  • Reparo primário e anastomose são seguros na maioria dos casos — o estoma é exceção, não regra.

  • Drenagem presacral e lavagem distal estão, definitivamente, fora de moda.

  • A chave está em reconhecer o tipo de lesão (intra vs extraperitoneal) e o estado fisiológico do paciente.

  • Menos agressão, mais racionalidade — essa é a nova face da cirurgia de trauma colorretal.


 
 
 

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