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Trauma em gestantes: uma abordagem baseada em evidências


O trauma em gestantes apresenta um desafio singular, uma vez que pode afetar simultaneamente a mãe e o feto. É essencial compreender os mecanismos de trauma predominantes, as alterações fisiológicas específicas da gestação e as particularidades no manejo para oferecer o melhor cuidado a essas pacientes.

 

Mecanismos de trauma em gestantes

 

Contrariando a expectativa comum de que acidentes automobilísticos seriam a principal causa de trauma em gestantes, estudos recentes indicam que agressões físicas e violência doméstica lideram essa estatística, sendo causas significativas de morbimortalidade.


Portanto, é fundamental avaliar cuidadosamente o relato da paciente e considerar a possibilidade de trauma intencional.

 

Alterações fisiológicas e suas implicações

 

A gestação traz mudanças importantes nos sistemas respiratório e cardiovascular que impactam o manejo clínico.

 

Sistema respiratório


1. Edema de vias aéreas: O aumento da vascularização e retenção hídrica torna a via aérea edemaciada, dificultando intubações e aumentando o risco de falhas.


2. Diafragma elevado e pressão intra-abdominal aumentada: Reduzem a capacidade pulmonar funcional e aumentam o risco de refluxo e broncoaspiração.


3. Hiperventilação fisiológica: Resulta em níveis de CO2 basalmente baixos; valores normais podem indicar retenção de CO2.

 

Sistema cardiovascular


1. Hipervolemia e anemia relativa: A maior reserva volêmica pode mascarar sinais iniciais de choque.


2. Hipercoagulabilidade: Aumenta o risco de tromboembolismo venoso.


3. Compressão da veia cava: Em decúbito dorsal, reduz o retorno venoso, necessitando de deslocamento uterino lateral para melhorar a perfusão.


gestante em maca de hospital conversando com uma profissional da saúde
As gestantes vítimas de trauma precisam de um atendimento rápido e adequado, com destaque para o tratamento da hemorragia e para as alterações fisiológicas da gravidez.

Diagnóstico por exames de imagem

 

Mitos sobre a teratogenicidade da tomografia computadorizada (TC) persistem, mas doses modernas de radiação estão muito abaixo do limiar de risco para o feto (50 mSv).


A TC deve ser realizada quando indicada, com protocolos semelhantes aos de pacientes não gestantes.

 

Manuseio da via aérea

 

O uso de videolaringoscopia é recomendado devido às dificuldades impostas pelo edema. Medidas para evitar broncoaspiração são cruciais.

 

Drenagem Torácica

 

O posicionamento do dreno deve ser mais alto devido ao diafragma elevado, com preferencial uso de ultrassonografia (pasmem!) para guiar o procedimento. Confira este artigo de Menegozzo e Utiyama sobre o assunto!

 

Reanimação e Transfusão

 

O manejo volêmico segue os protocolos padrão (1:1:1 para sangue, plasma e plaquetas), mas com atenção especial ao fibrinogênio, devido à maior depleção em gestantes.


O uso de ácido tranexâmico ainda carece de respaldo científico específico para gestantes e deve ser avaliado caso a caso.

 

Transfusão de Sangue


1. Preferir sangue tipado para evitar sensibilização imunológica ao fator Rh e reações hemolíticas.


2. Bolsas de sangue tipo O negativo com baixos títulos de anticorpos anti-A e anti-Bsão indicadas quando a tipagem não é possível.

 

Estratégias Cirúrgicas

 

Abdômen Aberto


Em casos críticos, como hemorragias abdominais com impossibilidade de fechamento da cavidade, o manejo com abdômen aberto pode ser necessário. Proteger adequadamente o útero gravídico é essencial.

 

Histerotomia de reanimação e Cesariana Pós-Morte

 

Esses procedimentos são indicados para gestantes em choque grave ou parada cardiorrespiratória, acima de 24 semanas de gestação. A abordagem é via laparotomia mediana e incisão longitudinal no útero.

 

Técnica Operatória: Histerotomia e Cesárea em Situações de Emergência

 

  1. Incisão Longitudinal no Útero

A abordagem cirúrgica mais adequada em cenários de emergência é a incisão longitudinal no útero, garantindo melhor acesso e minimizando lesões ao feto. Alguns cuidados importantes incluem:

  • Proteção do Feto: Realizar a abertura inicial com bisturi apenas na camada superficial e utilizar tesoura romba para evitar lesões fetais.

  • Evitar Lesão da Placenta: Sempre que possível, deslocar a incisão para evitar regiões placentárias, prevenindo sangramentos significativos.

 

  1. Clampeamento do Cordão Umbilical

Recomenda-se o clampeamento tardio (30 segundos a 1 minuto), sempre que viável, para otimizar os desfechos neonatais. A partir desse ponto, o recém-nascido deve ser transferido imediatamente à equipe de neonatologia.

 

  1. Cuidados com o Útero e Fechamento

Após a retirada da placenta, o útero deve ser suturado em múltiplas camadas, utilizando fio absorvível, como Vicryl. O fechamento da cavidade abdominal frequentemente encontra desafios devido à distensão intestinal e edema, sendo comum recorrer ao fechamento temporário com técnica de Barker, permitindo reintervenções subsequentes.

 

  1. Monitorização Fetal

O monitoramento com cardiotocografia é recomendado para gestantes acima de 20 semanas, por pelo menos 6 horas, mesmo em traumas leves. A sincronia entre lesões maternas e desfechos fetais adversos justifica essa vigilância intensiva.

 

Conclusão


O manejo do trauma em gestantes exige um equilíbrio entre a proteção materna e fetal. Protocolos baseados em evidências reforçam que o tratamento deve priorizar a mãe, pois “mãe viva, bebê vivo”. Apesar dos avanços, lacunas permanecem, destacando a necessidade de pesquisas sobre intervenções específicas, como o uso de ácido tranexâmico e estratégias de embolização em traumas viscerais.

 

Referências

 

Burruss S, Jebbia M, Nahmias J. Pregnancy and trauma: What you need to know. J Trauma Acute Care Surg. 2024 Nov 4. doi: 10.1097/TA.0000000000004478. Epubahead of print.

 
 
 
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