Trauma em gestantes: uma abordagem baseada em evidências
- Diego Adão
- 31 de jan.
- 3 min de leitura
O trauma em gestantes apresenta um desafio singular, uma vez que pode afetar simultaneamente a mãe e o feto. É essencial compreender os mecanismos de trauma predominantes, as alterações fisiológicas específicas da gestação e as particularidades no manejo para oferecer o melhor cuidado a essas pacientes.
Mecanismos de trauma em gestantes
Contrariando a expectativa comum de que acidentes automobilísticos seriam a principal causa de trauma em gestantes, estudos recentes indicam que agressões físicas e violência doméstica lideram essa estatística, sendo causas significativas de morbimortalidade.
Portanto, é fundamental avaliar cuidadosamente o relato da paciente e considerar a possibilidade de trauma intencional.
Alterações fisiológicas e suas implicações
A gestação traz mudanças importantes nos sistemas respiratório e cardiovascular que impactam o manejo clínico.
Sistema respiratório
1. Edema de vias aéreas: O aumento da vascularização e retenção hídrica torna a via aérea edemaciada, dificultando intubações e aumentando o risco de falhas.
2. Diafragma elevado e pressão intra-abdominal aumentada: Reduzem a capacidade pulmonar funcional e aumentam o risco de refluxo e broncoaspiração.
3. Hiperventilação fisiológica: Resulta em níveis de CO2 basalmente baixos; valores normais podem indicar retenção de CO2.
Sistema cardiovascular
1. Hipervolemia e anemia relativa: A maior reserva volêmica pode mascarar sinais iniciais de choque.
2. Hipercoagulabilidade: Aumenta o risco de tromboembolismo venoso.
3. Compressão da veia cava: Em decúbito dorsal, reduz o retorno venoso, necessitando de deslocamento uterino lateral para melhorar a perfusão.

Diagnóstico por exames de imagem
Mitos sobre a teratogenicidade da tomografia computadorizada (TC) persistem, mas doses modernas de radiação estão muito abaixo do limiar de risco para o feto (50 mSv).
A TC deve ser realizada quando indicada, com protocolos semelhantes aos de pacientes não gestantes.
Manuseio da via aérea
O uso de videolaringoscopia é recomendado devido às dificuldades impostas pelo edema. Medidas para evitar broncoaspiração são cruciais.
Drenagem Torácica
O posicionamento do dreno deve ser mais alto devido ao diafragma elevado, com preferencial uso de ultrassonografia (pasmem!) para guiar o procedimento. Confira este artigo de Menegozzo e Utiyama sobre o assunto!
Reanimação e Transfusão
O manejo volêmico segue os protocolos padrão (1:1:1 para sangue, plasma e plaquetas), mas com atenção especial ao fibrinogênio, devido à maior depleção em gestantes.
O uso de ácido tranexâmico ainda carece de respaldo científico específico para gestantes e deve ser avaliado caso a caso.
Transfusão de Sangue
1. Preferir sangue tipado para evitar sensibilização imunológica ao fator Rh e reações hemolíticas.
2. Bolsas de sangue tipo O negativo com baixos títulos de anticorpos anti-A e anti-Bsão indicadas quando a tipagem não é possível.
Estratégias Cirúrgicas
Abdômen Aberto
Em casos críticos, como hemorragias abdominais com impossibilidade de fechamento da cavidade, o manejo com abdômen aberto pode ser necessário. Proteger adequadamente o útero gravídico é essencial.
Histerotomia de reanimação e Cesariana Pós-Morte
Esses procedimentos são indicados para gestantes em choque grave ou parada cardiorrespiratória, acima de 24 semanas de gestação. A abordagem é via laparotomia mediana e incisão longitudinal no útero.
Técnica Operatória: Histerotomia e Cesárea em Situações de Emergência
Incisão Longitudinal no Útero
A abordagem cirúrgica mais adequada em cenários de emergência é a incisão longitudinal no útero, garantindo melhor acesso e minimizando lesões ao feto. Alguns cuidados importantes incluem:
Proteção do Feto: Realizar a abertura inicial com bisturi apenas na camada superficial e utilizar tesoura romba para evitar lesões fetais.
Evitar Lesão da Placenta: Sempre que possível, deslocar a incisão para evitar regiões placentárias, prevenindo sangramentos significativos.
Clampeamento do Cordão Umbilical
Recomenda-se o clampeamento tardio (30 segundos a 1 minuto), sempre que viável, para otimizar os desfechos neonatais. A partir desse ponto, o recém-nascido deve ser transferido imediatamente à equipe de neonatologia.
Cuidados com o Útero e Fechamento
Após a retirada da placenta, o útero deve ser suturado em múltiplas camadas, utilizando fio absorvível, como Vicryl. O fechamento da cavidade abdominal frequentemente encontra desafios devido à distensão intestinal e edema, sendo comum recorrer ao fechamento temporário com técnica de Barker, permitindo reintervenções subsequentes.
Monitorização Fetal
O monitoramento com cardiotocografia é recomendado para gestantes acima de 20 semanas, por pelo menos 6 horas, mesmo em traumas leves. A sincronia entre lesões maternas e desfechos fetais adversos justifica essa vigilância intensiva.
Conclusão
O manejo do trauma em gestantes exige um equilíbrio entre a proteção materna e fetal. Protocolos baseados em evidências reforçam que o tratamento deve priorizar a mãe, pois “mãe viva, bebê vivo”. Apesar dos avanços, lacunas permanecem, destacando a necessidade de pesquisas sobre intervenções específicas, como o uso de ácido tranexâmico e estratégias de embolização em traumas viscerais.
Referências
Burruss S, Jebbia M, Nahmias J. Pregnancy and trauma: What you need to know. J Trauma Acute Care Surg. 2024 Nov 4. doi: 10.1097/TA.0000000000004478. Epubahead of print.